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Dica Cinestória #6 - Dois dias, uma noite

  • Foto do escritor: Projeto Cinestória
    Projeto Cinestória
  • 19 de out. de 2020
  • 2 min de leitura

*Texto publicado originalmente no antigo blog do Cinestória em 01 de maio de 2017.


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Bem vindo ao maravilhoso mundo do “negociado”!


A dica desta semana foi pinçada especialmente porque hoje é 1º de maio e porque o debate central proposto pelo filme dialoga com um tema que está colocado na ordem do dia: a desproteção do trabalho. Se uma das coisas que a sétima arte pode nos oferecer é a expansão da representação da realidade, "Dois dias, uma noite" manipula nossas percepções sobre a sociabilidade humana a partir do trabalho em tempos de acirrada disputa valorativa dos sentidos desta atividade.


Dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que também assinam o roteiro, o filme, indicado à Palma de Ouro de Cannes, apresenta Sandra, uma trabalhadora de uma indústria belga que, ao voltar de uma licença médica por depressão (ainda em tratamento) descobre que foi demitida. E o foi a partir de uma proposta de seus chefes a seus colegas de trabalho, que tiverem que decidir entre receber um bônus de mil euros ou manter o emprego da colega. O roteiro se desenvolve a partir do pedido, aceito pelos gestores da empresa, para que seja feita uma nova votação, na primeira hora da manhã da próxima segunda-feira. Sandra se dedica, então, durante o fim de semana antecedente, a encontrar seus colegas e tentar persuadi-los a votar pelo seu emprego.


A câmara vai nos conduzindo no encalço de Sandra neste périplo humilhante. Ao longo dele, é inevitável a reflexão sobre o alcance da solidariedade, sobre consciência de classe, sobre a eventual autorização moral para condescender com os dilemas atravessados aos quais somos submetidos.


O movimento das câmeras, a luz predominantemente sombria, os quadros apertados nos diálogos e reações dos personagens, a ausência de trilha sonora e a atuação maravilhosa de Marion Cotillard como Sandra (trabalho que lhe deu uma indicação ao Oscar) estruturam uma narrativa densa e nervosa. O olhar vazio de Sandra e a forma quase pasteurizada com que argumenta com um a um de seus colegas, suas respectivas respostas e as reações de seus familiares vão alimentando a trama e pulverizando o dilema central, deixando ver nas entrelinhas uma mesma e imperativa dinâmica social: o sopesamento dos valores e das relações vai convergindo para um cálculo expresso em valor de troca. No filme, mil euros.


O filme merece ser assistido não tanto pelo seu aspecto mais evidente de denúncia, mas sobretudo pelos arranjos dramáticos do roteiro: a suposta transmissão da responsabilidade sobre o destino de uma colega de trabalho é tão somente um mecanismo dramático do filme para revelar a racionalidade capitalista em sua operação regular. Ao mesmo tempo, a aparência do poder de decidir que alcançaria os colegas de Sandra neste caso é uma boa alegoria para o revés civilizatório representado na completa ausência de mecanismos legais que protejam o trabalho.


O livre ajuste das condições ideais de reprodução do capital, do ponto de vista de quem trabalha, se apresenta assim mesmo: ora naturaliza que sejamos algozes, ora pede que aceitemos ser vítimas.


Luís Henrique Orio

Professor de Direito (ex-integrante do projeto)

FICHA TÉCNICA

Título Original: Deux jours, une nuit

Gênero: Drama

Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne

Elenco: Marion Cotillard, Fabrizio Rongione, Catherine Salée

Duração: 95 minutos

Ano de produção: 2014

País de origem: França, Bélgica, Itália

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